Em A Substância, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma celebridade em declínio que enfrenta uma reviravolta inesperada ao ser demitida de seu programa fitness na televisão. Desesperada por um novo começo, ela decide experimentar uma nova e misteriosa droga que promete replicar suas células, criando temporariamente uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma, Sue (Margaret Qualley). Agora, a atriz se vê dividida entre suas duas versões, que devem coexistir enquanto navegam pelos desafios da fama e da identidade.
O terror sempre foi uma das formas mais poderosas no cinema para discutir sobre o corpo e nossas implicações sobre ele. Por isso mesmo, surge o horror corporal (o tão famoso "body horror"), que tem como grande mestre David Cronenberg. É nítido que o olhar masculino sempre dominou o horror corporal no cinema. Mas é interessante como nas últimas décadas, as mulheres começaram a tomar conta das narrativas sobre seus próprios corpos, em diversas produções feministas.
O horror corporal é "o veículo perfeito para expressar a violência que todas essas questões femininas representam", explica Coralie Fargeat em entrevista à Revista Variety. Que violências são essas? A Substância explora como o envelhecimento impacta as mulheres e causa uma perigosa crise de identidade, com a indústria de entretenimento e uma sociedade patriarcal que reforçam padrões de beleza diariamente e as descartam quando elas ficam mais velhas – pois “não atendem” mais esses modelos. Coralie Fargeat brinca e subverte o olhar fetichista masculino sobre o corpo feminino como uma sátira, e se aproveita de toda potência do horror corporal para mostrar essa autodestruição das mulheres na tentativa de alcançar (ou recuperar) um padrão de beleza com a violação do próprio corpo.
Ela não tem vergonha de abraçar o mais grotesco e visceral do horror corporal conforme essa espiral de destruição da protagonista Elisabeth Sparkle entra em cena. Com um trabalho impressionante de efeitos práticos, próteses e maquiagem, A Substância é ousado e vai ao extremo, assim como os processos estéticos na indústria da beleza, com diversas cenas nojentas, sangrentas e perturbadoras – que nos levam de volta ao melhor do body horror nos anos 80, especialmente pela transformação que remete ao que David Cronenberg fez em A Mosca (1986). É um passeio selvagem e com muita personalidade de Coralie Fargeat, que explode em um final catártico, corajoso e violento, no qual a diretora faz sangue jorrar pela tela e apresenta sua figura monstruosa construída pela própria sociedade.
Demi Moore entrega impressionante atuação em A Substância, onde ela precisa literalmente se despir de corpo (com as implicações físicas da trama) e alma (em todos os aspectos psicológicos que sua personagem é afetada). De certa forma, é interessante como Moore assume uma versão de si mesmo da vida real, uma atriz de sucesso em Hollywood que foi esquecida pela indústria com o passar do tempo.
É aqui que entra o aspecto de ficção científica com a substância que parece resolver todos esses problemas de Elisabeth Sparkle. Ela gera uma nova versão dela mesma, mais jovem e perfeita, e pode dividir seu tempo de uma semana para cada. Essa é Sue, com uma atuação deslumbrante de Margaret Qualley, que sacia todos os desejos da protagonista em voltar aos dias de glória, quase uma releitura moderna de O Retrato de Dorian Gray.
"Já sonhou com uma versão melhor de si mesmo? Você. Só que melhor em todos os sentidos. Você precisa experimentar este novo produto, A SUBSTÂNCIA. Mudou a minha vida"
(do filme)
Fonte: adorocinema.com
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